José Paulo de Almeida Albuquerque

(Diretor do CETUC, 1979-1982)

É sempre agradável dar um depoimento sobre uma história de sucesso, e não há dúvida que a trajetória do CETUC nestes 50 anos tem sido uma trajetória vitoriosa.

Eu posso falar mais dos primeiros 25 anos, pois os vivi de perto.  Bem sei, no entanto, que desde então o CETUC continua a contribuir de forma marcante para o desenvolvomento das telecomunicações no Brasil.

É com emoção que eu busco na memória antigas lembranças, todas muito significativas, principalmente porque, assim como o CETUC, eu também era 50 anos mais jovem.  Nessa arqueologia de emoções, a mais remota lembrança que consigo resgatar me traz de volta a figura de um jovem, só um pouco mais velho do que eu, que aguarda do lado de fora de uma sala de aula do quarto andar do edifício Cardeal Leme o término de uma aula do curso de telecomunicações.  Estamos no final de 1965, de dentro da sala eu posso vê-lo através do vidro da parte superior da porta.  Quando a aula termina, ele me aborda e me fala com entusiasmo dos grandes planos de uma nova unidade da PUC, dedicada às telecomunicações.  Ele busca estudantes em final de curso interessados em partipar do projeto.  O jovem era o Roberto Taylor, um dos iniciadores do CETUC.   Com outros planos na ocasião, minha associação com o CETUC nao iria acontecer ate o começo de 1967, quando iniciei o curso de mestrado em telecomunicações na PUC, e me tornei Assistente de Pesquisa no CETUC.

Deste período, 1967-1970, as lembranças sao muitas, todas guardadas com muito carinho.  O cenário é a casa antiga, à Rua Marques de S. Vicente 291, mencionada no relato do Mauro Assis.  Uma de minhas primeiras atividades, possivelmente ligada ao contrato com o CONTEL tabém mencionado no artigo do Mauro, foi secretariar e preparar as atas das reuniões de um grupo de engenheiros encarregado de elaborar o Plano Nacional de Telex, ou seja a versão de 50 anos atrás de uma rede de mensagens de texto.  Há também a lembrança das aulas do curso de          mestrado, Professores Bahiana e Mauro Assis do CETUC, alem do Portinari da Matemática, e do Professor Everett, um americano visitante do  Departamento de Engenharia Eletrica.  A minha tese de mestrado, em sistemas de telecomunicações, foi orientada pelo Professor Bahiana, que apesar de especializado em Antenas e Teoria Eletromagnetica, era a rigor polivalente.

Mas as lembranças mais vivas são das muitas pessoas com as quais convivi neste período.  Não posso citar todas pois iria esquecer algumas.  Vou citar meus dois colegas de turma e queridos amigos, Marcio Rabello e Jorge Panazio.  Marcio esteve no CETUC até o final dos anos 70 e foi o iniciador das atividades na área de antenas, na qual o CETUC exerce até hoje papel de liderança.  Panazio deixou o CETUC mais cedo, no começo dos anos 70.  No entanto, sua atuação no Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebras continuou contribuindo para o desenvolvimento do CETUC.

Vou citar também duas pessoas com as quais convivemos por pouco tempo no CETUC do final dos anos 60, mas das quais ainda me lembro bem.  O Doutor Lacombe, que por sua experiência, era visto como uma espécie de guru.  Recordo que ele ficou muito animado porque eu estava estudando algo que se chamava deteção coerente de portadoras de faixa lateral singela.  Não creio que o Doutor Lacombe tenha permanecido no CETUC tempo suficiente para saber que nada resultou deste estudo.  A outra pessoa de passagem muito rápida pela história do CETUC foi o técnico francês. Monsieur Cherón, que esteve algum tempo no CETUC por intermédio do convênio com o CNET (ver relato do Mauro Assis).  Estes dois coadjuvantes podem não ter tido papel marcante, mas são incluídos aqui como representantes de muitos outros que como eles, ainda que modestamente, fazem parte da história do CETUC.

Deste período, me lembro também do esforço liderado pelo Panazio para apresentar ao entao BNDE o que se chamava um “projeto específico”, nomenclatura utilizada para diferenciá-lo do financiamento ao CETUC como um todo, ao qual nos referíamos como um “projeto institucional”.  O projeto específico visava a “nacionalização de um equipamento de micro-ondas” (Projeto NEMO).  O BNDE não aprovou o projeto.  Ainda que tenha sido uma decepção, o NEMO ilustra exemplarmente a preocupação com a aplicação da pesquisa, um ponto fundamental da política seguida pelo CETUC desde sua criação.

Terminado o mestrado em 1968, continuei minhas atividades de ensino e pesquisa no CETUC e logo a seguir resolvi fazer um doutorado no exterior.  Os eventos que se desenrolaram entre esta decisão e a minha ida para o MIT em setembro de 1970 testemunham de forma inequívoca o comprometimento da então administração da PUC com a formacao de um corpo docente de alta qualificação.  Apliquei para uma bolsa com o CNPq e com a CAPES.  O CNPq fazia o seu julgamento primeiro e comunicava os resultados à CAPES, que. no seu próprio julgamento, não considerava os candidatos ja agraciados com a bolsa do CNPq.  Tendo ganho a bolsa do CNPq (US $415 mennsais mais as taxas escolares), eu iria receber também uma complementação de US $150 mensais da PUC.  Tudo ótimo!  No entanto, a aprovação final das bolsas dependia de uma assinatura do Presidente da República, já que o CNPq era entao um órgão da presidência.  Esta mera formalidade se tornou um obstáculo intransponível.  Aparentemente, o presidente Medici queria substituir o Professor Couceiro que estava na presidência do CNPq desde os primeiros dias da Revolução de 1964.  Por alguma razão desconhecida, antes de fazê-lo, a presidência simplesmente não confirmou as bolsas para o exterior aprovadas para aquele ano.  Isto é o que se soube depois, pois até o último momento não se sabia ao certo se as bolsas seriam ou não confirmadas.  Comuniquei o fato ao Pe. Almeida, Vice-Reitor Administrativo, e ele, em comum acordo com o Vice-Reitor Acadêmico, Pe. Amaral, me autorizou a viajar.  A PUC pagaria a passagem, as taxas escolares, e US $555 mensais até o assunto se resolver.  No caso de uma decisão favorável do CNPq, a PUC talvez pudesse ser ressarcida da quantia gasta até aquele momento, com exceção naturalmente da sua complementacao de US $150 mensais.  Só um ano depois, com nova aplicação ao CNPq, uma bolsa me foi concedida.  Não houve ressarcimento algum a PUC pois, durante o primeiro ano, não houve bolsa.  Naturalmente, a nível pessoal sou extremamente grato pelo apoio da PUC, mas mais significativa do que esta ação específica foi a política que a motivou.  Uma política que determinou muitas outras ações visando a criação de um corpo docente altamente qualificado, e também pautada por incondicional apoio ao trabalho desse corpo docente.  Tudo isso também contribuiu significativamente para o sucesso alcançado pelo CETUC.        

Retornei ao CETUC no final de 1973 e o ano seguinte marca o inicio das atividades em telecomunicações via satélite dentro do contrato com a Telebras.  O programa do satélite brasileiro, coordenado pela Embratel, deu grande impulso aos estudos nesta área.  Muitas das teses de mestrado deste período abordaram problemas ligados às comunicações via satélite.  A nível pessoal, o envolvimento com telecomunicações via satélite iria orientar minha carreira durante os próximos 40 anos: até 1992 no CETUC; e, nos últimos 23 anos, em várias empresas operadoras de satélite e no FCC, a agência reguladora dos Estados Unidos.  Os recursos humanos formados pelo CETUC em comunicações via satélite têm desempenhado papel muito importante na Star One, sucessora da Embratel nesta área, e em muitas outras empresas brasileiras.           O alto nível dos engenheiros brasileiros em comunicações via satélite é hoje reconhecido internacionalmente.  Como evidência deste fato, a longa lista dos que passaram pelo mestrado do CETUC e tiveram posição de destaque no exterior inclui entre outros: Gerson Souto (SES); Fabio Leite (UIT e Inmarsat); Ruy Pinto (Inmarsat); Nelson Malaguti (UIT); Humbrto Henriques e Wayne Moreira (Intelsat); Marcus Vilaça (SES, Inmarsat e Yahsat).

Fui Diretor do CETUC de 1979 até 1982, quando fui indicado pela Embratel para participar de um programa da Intelsat, àquela altura ainda uma organização internacinal, que permitia profissionais dos vários países membros trabalhar na Intelsat em Washington por um período de até dois anos.  Quando retornei à PUC em 1984, assumi a Vice-Reitoria Academica até 1987.  Assim, durante estes 5 anos, minha atuação no CETUC ficou restrita aos últimos três anos e, mesmo então, de forma limitada.  Voltei integralmente ao CETUC em 1987, retornando à rotina de aulas, orientação de teses, e pesquisa.  Finalmente, em 1992 fui para a Intelsat e permaneci nos Estados Unidos até hoje, trabalhando em várias empresas de comunicações via satélite e, finalmente, durante os últimos dois anos, na FCC (Federal Communications Commission).  Mas          meu contacto com o CETUC não cessou.  Como venho regularmente ao Brasil tenho me encontado uma vez por ano, ou com freqüência muito próxima disso, com ex-colegas.  Naturalmente, o que há de novo sobre o CETUC é assunto obrigatório destes encontros.

A área de telecomunicações não é a mesma de 50 anos atrás, ou mesmo a de 23 anos atrás, quando deixei o CETUC.  Por exemplo, a área de telecomunicacoes via satélite não tem o mesmo ímpeto do passado.  Os recentes planos para o lançamento de mega-constelações de satélites          não-geoestacionários poderá significar um renascimento, mas só o futuro dirá se estes projetos terão sucesso.  De qualquer modo, o CETUC tem sabido se renovar e tenho certeza de que encontrará os caminhos que o levarão nos próximos 50 anos a uma trajetória pelo menos tão bem sucedida quanto a que percorreu até aqui.

Finalmente, quero lembrar aqueles que como eu tiveram a honra de dirigir o CETUC.  O Professor Bahiana, que soube reconhecer o valor e dar apoio ao sonho visionário de um grupo de receém-graduados (chamado de Grupo dos 4 no artigo do Mauro Assis).  O Weiler que, com sua tranquilidade e sabedoria mineira, conduziu o CETUC logo depois da minha saída em 1982.  A Marlene, minha ex-aluna na Universidade Federla de Juiz de Fora, que sucedeu o Weiler e que, com suas inegáveis qualidades de liderança, comandou o CETUC por 12 anos.  O Luiz Costa, meu professor de Semicondutores no curso de graduação da PUC em 1965, que manteve viva a área de antenas depois da saída do Marcio Rabello e foi um diretor importante por sua experiência e tranquilidade.  O Flavio, também um especialista em antenas, que vem conduzindo o CETUC nestes últimos 13 anos com competência e paciência.

Nao se assustem.  Eu nao me esqueci do Mauro Assis.  Faço referência a ele como fecho deste meu relato porque ele merece uma referência muito especial.  Em primeiro lugar, não fosse por seu sonho que levou à criação do CETUC e por sua persistência enquanto foi diretor, é muito provável que não estivéssemos celebrando este aniversário de 50 anos.  Mas mais do que isso, e espero que os outros ex-diretores me permitam esta afirmação, nenhum de nós tem uma relação sentimental com o CETUC tão forte como aquela que o Mauro tem.  Fico com a impressão de que o Mauro vê o CETUC quase como um filho.  Por isso mesmo ele deve estar merecidamente orgulhoso de ver este filho completar 50 anos de sucessos.  Ele esteve presente nos primeiros 15 anos da vida deste filho, e a dedicação e carinho com os quais o guiou foram fundamentais para que ele chegasse tão vitorioso aos 50 anos.

Parabéns CETUC e muitos anos de vida!