(Professor, DECOM / UNICAMP)

Em 2065, quando o CETUC alcançar um século de existência, é pouco provável que encontre testemunhas vivas para rememorar as circunstâncias da sua criação. Assim, a. comemoração dos 50 anos é a última efeméride comparável em que isso ainda é possível. Por isso, sinto-me muito honrado, e ao mesmo tempo responsabilizado, pela oportunidade deste depoimento.

Cheguei aos anos 60 do século passado com 15 anos, e deles saí com 25. É a época em que a gente faz as primeiras escolhas, informadas por uma visão do mundo ainda em formação. Dentre elas, figurou o interesse pelas Telecomunicações, uma escolha que resistiu ao tempo. Em 1960, as Telecomunicações brasileiras ainda eram analógicas, com telefonia, radio e TV em redes segregadas. As operadoras do serviço telefônico eram estaduais e municipais, sem uma integração no nível nacional. Muitas centrais ainda eram eletro-mecânicas. E a universalização da telefonia ainda era um sonho distante, apesar do rápido avanço da urbanização, gerada por massivas correntes migratórias. No final dos anos 60, essa situação já tinha começado a mudar, graças principalmente à criação da Embratel. Lembro-me da minha formatura no ITA em 1966 (50 anos serão comemorados no ano que vem): naquela época, a Embratel aparecia no ITA no final do ano para contratar todos os formandos de Eng. Elétrica que tivessem interesse! Paulistano do Brás, cursando o quarto ano do ITA em São José dos Campos, o Rio de Janeiro ainda era um lugar muito distante para mim em 1965, mas lá em SJC já podíamos sentir o clima de modernização das Telecomunicações que dominava a época, e que certamente gerou a criação do CETUC.

Em 1967, saí do País para fazer a pós-graduação (Mestrado e Doutorado) em Stanford, de onde só voltei no final de 1971 para me integrar à COPPE, no Rio, onde permaneci durante dois anos. São desta época os meus primeiros contactos com o CETUC, uma instituição que logo aprendi a admirar pela seriedade de propósitos e pelo profissionalismo. Esses contactos também me renderam boas amizades, dentre as quais destaco a de José Paulo Albuquerque. A partir de 1973, porém, com a minha contratação pela Unicamp, os contactos com o CETUC se tornaram mais esporádicos, mas nunca cessaram. Um ponto alto deste relacionamento foi o Relatório que José Paulo e eu elaboramos para o CNPq em 1980, intitulado “Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações: um Panorama Geral”, do qual guardo um exemplar cujas páginas já estão amareladas. Nele fizemos um mapeamento das atividades de P&D em Telecom em andamento no País em 21 instituições públicas e privadas, bem como das tendências internacionais, agrupadas em cinco áreas: telecomunicações via satélite; transmissão digital; redes de dados; comunicações óticas; e comutação. Dentre as recomendações finais, o Relatório ressalta a conveniência de estudos interdisciplinares sobre a “multiplicidade de serviços que poderão ser oferecidos, especialmente quando se considera o desenvolvimento integrado de telecomunicações e informática”. E profetiza mais adiante: “Daqui para frente, as opções tendem a tornar-se cada vez mais intrincadas e só um estudo amplo englobando além dos aspectos técnicos, aspectos econômicos e principalmente sociais, pode dar um embasamento capaz de permitir decisões adequadas, imunes às pressões de diversas naturezas que cercam cada uma dessas questões.”

Em 1974, fui para a Unicamp me juntar a Rege Scarabucci num projeto apoiado pela Telebrás (recentemente criada) que tinha dois objetivos articulados entre si: desenvolver um protótipo laboratorial de um sistema de comunicações digitais sobre cabos metálicos; e implantar uma linha de pesquisa em Comunicações Digitais na então nascente pós-graduação em Engenharia Elétrica da Unicamp, que vivia ainda a sua primeira década de vida. Para este segundo objetivo em particular, foi confortante e emuladora a presença de uma referência nacional na pesquisa em Telecom: o CETUC. Mais recentemente, tive a oportunidade de trabalhar na implantação de uma nova Universidade Federal, a UFABC, calcada num novo modelo pedagógico voltado para as necessidades do século XXI. Pude então sentir como é difícil criar algo novo, inédito, sem poder contar com nenhuma referência prévia ou concomitante. Essa experiência me faz respeitar ainda mais a audácia e o descortino dos colegas pioneiros que protagonizaram a criação do CETUC.

A comunidade de propósitos entre Unicamp e CETUC fez com que os dois grupos se juntassem em 1983 num evento científico, realizado na PUC-Rio, do qual resultou a criação da Sociedade Brasileira de Telecomunicações, a SBrT, cujo primeiro Presidente foi José Roberto Boisson de Marca, do CETUC. O evento passou a ser realizado anualmente em algum lugar do País: por exemplo, o XXXIII Simpósio Brasileiro de Telecomunicações será realizado pela primeira vez em Juiz de Fora, MG, dentro de alguns meses. O segundo Simpósio foi realizado em 1984 em Campinas, e o terceiro em São José dos Campos, em 1985, época da transição democrática. Animados pelo clima da época, queríamos realizar então um debate sobre a política das Comunicações durante o terceiro Simpósio. Para isso, convidamos o secretário-geral do Minicom para participar de uma Mesa-Redonda. O Secretário alegou que precisava de uma autorização do Ministro. Como Vice-Presidente da Sociedade, tive a oportunidade de acompanhar o Presidente Boisson numa audiência ministerial, na qual solicitamos ao Ministro Antonio Carlos Magalhães, o ACM, que autorizasse o secretário-geral a atender o nosso convite. ACM parecia desconfiado, mas acabou autorizando, e o debate ocorreu.

O quarto Simpósio voltou ao Rio, e o quinto a Campinas. A Sociedade parecia encarar um dilema: continuar expondo a produção acadêmica no triângulo Campinas-Rio-SJC, ou levar o Simpósio a todos os rincões do País. Por fim, o sexto Simpósio foi a Campina Grande, PB, o sétimo a Florianópolis, SC, e não parou mais de circular pelo Brasil, motivando as comunidades locais a ingressar na aventura do conhecimento, da tecnologia e da inovação.

Em 1994, tive a oportunidade de viajar a Moscou para participar de um evento científico. Estava no saguão do hotel quando comecei a escutar gritos vindos do fundo do saguão. Como não entendo nada de russo, não entendia nada do que estava sendo gritado. Fiquei ligeiramente alarmado, mas as pessoas à minha volta agiam normalmente, como se nada estivesse acontecendo. Meio encafifado, resolvi então descobrir o que estava acontecendo, e me dirigi até o fundo do salão, entrei num corredor e me aproximei do recinto de onde vinham os gritos. Quando lá cheguei, tive um momento de nostalgia, pois o lugar era um posto telefônico, igualzinho aos que eu presenciara na minha infância, no Brasil dos anos 50! Quando alguém desejava fazer uma ligação interurbana, dirigia-se a um posto telefônico, informava a cidade e o número desejado, e se sentava para esperar, quiçá por horas. Quando enfim a pessoa era chamada a uma cabina, tinha que gritar para ser ouvida ao telefone, ou pelo menos assim lhe parecia. Foi como se eu tivesse voltado 40 anos no tempo. É que alguma coisa havia acontecido no Brasil que ainda não acontecera na Rússia dos anos 90: a modernização das Telecomunicações, da qual o CETUC foi protagonista de primeira hora.