Mauro S. Assis
(Diretor do CETUC, 1966-1978)
Em fins de setembro de 1965, um grupo de alunos da primeira turma de pós-graduação em telecomunicações da PUC reuniu-se em uma sala do 4º andar do Prédio Cardeal Leme para redigir um documento estabelecendo as bases do que viria a ser a ser o Centro de Estudos em Telecomunicações da Universidade Católica do Rio de Janeiro (CETUC). O grupo que, para facilitar futuras referências, passarei a designar por Grupos dos 4, era formado pelos engenheiros Amilcar Figueiredo de Aguiar, Dieter Wilken, Roberto Taylor e Mauro Soares de Assis. Este documento foi entregue ao Prof. Luiz Carlos Bahiana na 5ª feira, 30 de setembro, para uma discussão final antes de ser encaminhado à direção da Universidade. Assim começou a história oficial do CETUC.
Entretanto, houve uma série de acontecimentos anteriores a esta data (30/09) que, de uma forma ou outra, influenciaram a criação do CETUC. É o se pode chamar de pré-história do CETUC. São estes acontecimentos, ou pelo menos aqueles em que tomei parte, que passo a relatar agora. Tudo começou em janeiro de 1965.
Antes de avançar nesse relato, para que se possa avaliar melhor a sequência dos acontecimentos se seguiram, é importante que se tenha uma visualização do cenário na época.
A PUC tinha criado a Escola Graduada de Ciências e Engenharia (EGCE) e o primeiro curso de mestrado, em Engenharia Mecânica, tinha começado no 2º semestre de 1964. Havia também a previsão de iniciar o mestrado na área de Controles, em Engenharia Elétrica, no primeiro semestre de 1965. Aparentemente, naquele momento, eram inexistentes as condições de um curso de PG na área de telecomunicações.
Ao contrário do que acontecia PUC, o ambiente externo era favorável para as telecomunicações. Havia muita discussão sobre a Lei 4.117 de 27 de agosto de 1962 que instituía o Código Brasileiro de Telecomunicações. O Código previa, entre outras coisas, a criação de uma empresa pública destinada a explorar os troncos principais de telecomunicações do País. Esta empresa foi efetivamente criada em 16 de setembro de 1965 com o nome de EMBRATEL (Empresa Brasileira de Telecomunicações). Ainda no contexto da Lei 4.117, havia sido instalado em o CONTEL (Conselho Nacional de Telecomunicações) com atribuições reguladoras e normativas.
Neste cenário a minha situação era a seguinte. Recém-formado e com muito interesse em fazer pós-graduação na área de telecomunicações, preferencialmente na própria PUC, onde exercia atividades de ensino no CNE (Cursos Noturnos de Eletrônica da Universidade Católica). Na época eu morava em um quarto da Vila Elite no Catete, posteriormente tombada pelo Patrimônio Nacional, com um colega de turma, o Eng. Marco Aurélio de Almeida Rodrigues, que viria a exercer cargos de relevada importância na área de telecomunicações, tais como, Diretor Técnico da TELEBRÁS e Presidente da Qualcomm do Brasil. As aulas que dava à noite no CNE garantiam minha sobrevivência, inclusive o pagamento do aluguel do quarto.
No início de janeiro de 1965 houve um acontecimento marcante em minha vida. Fui em companhia do Marco Aurélio procurar emprego na Standard Electric, cuja fábrica localizava-se em Vicente de Carvalho na zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Chegamos lá na hora do almoço. Ao indagarmos na Portaria sobre a existência de vagas, foi-nos indicado um empregado que saia para almoçar e que pertencia a Departamento de Pessoal da empresa. Voltamos da porta, não chegamos nem a entrar na Standard, não havia vagas. Este empregado, do qual não registrei o nome, não sabe o bem que me fez. Provavelmente, a minha vida profissional teria sido completamente diferente e o CETUC talvez não tivesse existido. Pelo menos nas condições em que foi criado.
Pouco tempo depois do caso acima relatado, o Marco Aurélio foi contratado pela INBELSA, em uma unidade que funcionava em Recife, onde estava sendo instalado um extenso sistema de telecomunicações na Companhia de Telecomunicações de Pernambuco. O dia em que o Marco viajou foi muito difícil para mim. Após acompanha-lo ao portão da vila, onde ele iria apanhar o carro que o levaria a Pernambuco, retornei ao quarto com uma sensação de depressão que nunca havia experimentado antes. Afinal de contas eu tinha um currículo acadêmico bastante razoável e, simplesmente, estava desempregado. Este foi o segundo acontecimento.
O terceiro acontecimento foi uma consequência direta do segundo. Vencido o abatimento, raciocinei da seguinte forma: se eu quero realmente fazer a PG, a solução é partir para a luta. Com esta ideia na mente, fui falar com o Padre Amaral na PUC que exercia uma função equivalente ao que se denomina hoje de Vice-Reitor Acadêmico. Insisti com ele na possibilidade de iniciar o mestrado em telecomunicações ainda no primeiro semestre de 1965. A questão é que não havia professores em quantidade suficiente. O curso de Métodos Matemáticos com o Prof. Prem Srivastava do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) estava garantido, assim como o Prof. Argus Moreira do IME poderia lecionar Teoria Eletromagnética Avançada e Eletrônica de Micro-ondas. Mas não era suficiente. Falei então com o Prof. João Rizzo da Marinha que se interessou por lecionar Teoria Estatística das Telecomunicações. De acordo com o programa estabelecido para o 1º Semestre faltava um professor para Propagação das Ondas Eletromagnéticas, disciplina para a qual o Prof. Bahiana era o indicado, se ele estivesse disponível.
Infelizmente, o Prof. Bahiana, na época ainda servido na Marinha, havia sido transferido para Recife no final de 1964. Por sugestão do Padre Amaral, uma solução temporária seria o Prof. Aléxis Guerbilsky, pertencente ao Instituto de Física da PUC. Digo temporária, porque o Prof. Aléxis tinha sido convidado por uma Universidade canadense, devendo, em curto prazo, afastar-se da PUC. Definida a estrutura do que seria o curso de Mestrado em Telecomunicações, passei a colaborar efetivamente na implantação do mesmo. Esta é a razão pela qual, muitas vezes, em tom de brincadeira, digo que fui coordenador do meu curso de PG. O mês de fevereiro de 1965, ao contrário do que poderia imaginar no dia da partida do Marco Aurélio, foi de muito trabalho para mim. Trabalho este que realizei com imensa satisfação. Este conjunto de fatos que acabei de relatar constituíram o que chamo de terceiro acontecimento.
O início do semestre acadêmico não modificou muito minhas atividades. Apenas acrescentei as tarefas do curso de mestrado. Os alunos de PG recebiam da PUC uma complementação de bolsa que implicava na atuação como monitor de um curso de graduação. Para justificar meu complemento de bolsa, em vista de minha participação na organização inicial do curso, fiquei como elemento de ligação entre a PG em telecomunicações e o Prof. Leal que era o Chefe do Departamento de Engenharia Elétrica da PUC. Esta situação veio reforçar em minha cabeça a posição de exercer, obviamente de forma não oficial, a coordenação do curso.
O quarto acontecimento veio de uma leitura de jornal no final de março ou no início de abril, não me recordo exatamente a data. Verifiquei um domingo, na coluna de movimentação de oficiais das Forças Armadas, que o Prof. Bahiana havia sido transferido para São Paulo, para a USP, onde a Marinha mantinha sob convênio um curso de Engenharia Naval, A sua estada em Recife foi relativamente curta, algo em torno de 6 meses. Desnecessário dizer que fui a primeira pessoa que o Padre Amaral viu no expediente da 2ª feira seguinte. Falei com ele da notícia que havia lido e solicitei dele a autorização para entrar em contato com o Prof. Bahiana. Uma vez autorizado, o contato foi imediato. O Prof. Bahiana aceitou vir semanalmente à PUC, desde que, obviamente, a PUC fornecesse a passagem aérea para isto. Houve um acerto do Padre Amaral com o Prof. Aléxis e o Prof. Bahiana assumiu a disciplina de Propagação das Ondas Eletromagnéticas. Passei a ter então uma nova e original atividade. Toda semana eu apanhava uma passagem aérea São Paulo-Rio-São Paulo na administração de PUC e a entregava na 5ª feira, dia da aula de Propagação, ao Prof. Bahiana para garantir sua vinda na semana seguinte.
Ao longo do primeiro semestre de 1965, por iniciativa do Roberto Taylor, um dos componentes do Grupo dos 4, o Prof. Pinto Guedes do IME passou a apresentar aos sábados uma série de palestras informais sobre telecomunicações. Para mim, tais palestras trouxeram duas informações de alta relevância. A existência de uma ciência denominada Radiometeorologia, fundamental no estudo de Propagação, com a qual estou envolvido até hoje e a conhecimento de uma organização chamada CNET, qual seja, o Centro Nacional de Estudos de Telecomunicações da França. Alguns meses mais tarde, o CNET serviria de modelo para a criação do CETUC e Radiometeorologia um dos primeiros programas de pesquisa desta nova unidade da PUC. Este foi o quinto acontecimento que encerrou o ciclo que antecedeu a criação do CETUC que irei resumir a seguir.
Com base nas discussões realizadas nas palestras do Prof. Pinto Guedes, o Grupo dos 4 levou ao Prof. Bahiana a ideia de criação na PUC de algo similar ao CNET, obviamente em bases bem mais modestas. O Prof. Bahiana, que então aproveitava a vinda semanal ao Rio para assessorar a Presidência do CONTEL, não se mostrou receptivo à ideia. As razões por ele apresentadas era ser ainda cedo para se lançar em um projeto de tal envergadura. É minha opinião pessoal que, na visão do Professor, o momento não era oportuno pois, como falei no início, discutia-se muito a respeito da criação da EMBRATEL. Uma ação da PUC antes de uma definição do que seria esta empresa poderia ter uma repercussão negativa.
Esta situação modificou-se completamente após a criação da EMBRATEL em 16 de setembro de 1965. Na aula seguinte à criação da EMBRATEL, isto é, em 23 de setembro, o Prof. Bahiana indagou se o Grupo dos 4 ainda estava interessado no CNET Brasileiro. Com a óbvia resposta positiva a esta indagação, o Grupos dos 4 foi solicitado a preparar o documento ao qual me referi no início deste texto. Tudo isto aconteceu HÁ 50 ANOS